fbpx
Acesse nossas Mídias
“DENGUE”
download (1)

Notícias

Maria Célia e a arte de ensinar

Compartilhe

CONHEÇA A HISTÓRIA DA EGRESSA DO UNILASALLE-RJ QUE ENFRENTOU INÚMERAS VIOLÊNCIAS ATÉ REALIZAR O SONHO DA EDUCAÇÃO.

Diz os versos da cantiga: Pombinha, quando tu fores / Me escrevas pelo caminho / Se não encontrares papel / Nas asas de um passarinho. Em roda, cada criança se transforma na pombinha e fala seu nome no início da música. No ano de 1958, em Abílio Martins, interior do Ceará, havia uma Maria Célia na ciranda.

Certa moradora da região, grávida, estava passando por perto quando ouviu o nome e decidiu: se tivesse uma menina assim ela se chamaria. Maria Célia Rodrigues Batista (Registrada sem o “Célia” no cartório por engano, o que só veio a descobrir aos 16 anos) nasceu no dia 6 de março e escreveu versos pelo caminho. Escreveu sua história tendo nas letras a possibilidade de cura das próprias feridas.

Entre a cantiga antes de nascer e as que hoje canta para as suas crianças (“Estou fazendo aula de violão, amo música”), a pedagoga formada e pós-graduada pelo Unilasalle-RJ enfrentou a violência, a solidão, as dificuldades fruto dos abismos sociais, o preconceito.

Mas voou, e ajuda outras crianças a voarem por meio da educação. Conheça nesta matéria a sua história.
(Reprodução da matéria por Luiza Gould / Colaborou: Maria Eduarda Barros / Ascom Unilasalle-RJ)

INFÂNCIA: O BANHO NA ÁGUA DE SAL, O CANAVIAL E OS 16 QUILÔMETROS RUMO À ESCOLA

Maria Célia há muito é amiga das letras. Escritas, elas estavam no vestido que a menina ganhou aos 4 anos, fazendo-a entrar na escola já conhecendo todo o alfabeto. Estavam também no pedaço de papel, onde escrevia estrofes de música (“Na casa do meu pai, nunca teve um radinho de pilha. Mas eu copiava o que ouvia da casa do vizinho e cantarolava me balançando na rede”). As letras estavam no muro de casa, em volta de onde ela reunia as crianças da vizinhança para dar aula, aos 8 anos. Estavam no caderno da aluna que decorava com facilidade; nos livros e revistas que ela pedir emprestado. Mas prosseguir se envolvendo com as letras não foi fácil para ela. Quando terminou a 4ª série não havia mais professores em Abílio Martins para dar aula. Continuar os estudos, só em Ipueiras. O que não seria um empecilho, afinal Maria Célia percorreu a pé todos os dias por seis meses os 16 quilômetros que separam as duas cidades. “O problema é que meu pai só permitiu que eu estudasse até a 5ª série, para tirar o certificado. Os professores diziam para ele: ‘Aproveita a inteligência dessa menina’, mas ele dizia que já estava mais do que bom, que eu já sabia demais para uma mulher”, conta a agora pedagoga.

Privada de prosseguir nos estudos, Maria Célia sofria outros tipos de violência em casa. A violência física vinha materializada na cinta de coro de boi, nas mãos da mãe. Para os machucados não inflamarem, a agressão era seguida de um banho em água com sal. A violência psicológica, nas humilhações diárias. Era chamada de “nojenta” e “feia” quando comparada às irmãs mais novas, que tinham acesso a benesses nunca estendidas à primogênita. Em dia de visita, era certo ser menosprezada. A menina, então, “pulava pro canavial” e, ali, onde ajudava na lida da roça, se escondia.

“Eu olhava para o céu todo dia e dizia que ia sair daqui. Como fala Paulo Freire, eu tinha uma inquietude”, lembra. Uma inquietude que ultrapassava a fuga da realidade opressora, mas ela não sabia definir o que era. Aos 63 anos, com capítulos e capítulos de uma vida de muita luta escritos a partir da educação, Maria Célia sabe por suas vivências que a inquietude era voar: aprender e ensinar.

DA PROFESSORA LEIGA E PRECOCE À LASSALISTA COM GRADUAÇÃO E PÓS

Maria Célia não voltaria a estudar no Ceará, mas o que aprendeu logo passou adiante: “Com 16 anos eu fui dar aula na 4ª série. Peguei o planejamento de uma professora formada na cidade e dei aula para uma turma. Eu acredito hoje que dei conta muito mais pela afetividade do que pela experiência. Quando fiz 18 anos assinei minha carteira como professora primária pela prefeitura, de 1977 a 1987. Dava aula para a 4ª série de manhã, turma particular, para a 2ª série à tarde pela prefeitura, e de noite pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)”.

O tempo passou, Maria Célia casou, teve quatro filhos, se separou. Com 26 anos deixou a terra natal. Chegou em Niterói, no Morro do Palácio, com suas duas meninas (Edna e Edlene) e seus dois meninos (Edvan e Denilson), em 1984. Só sabia dar aula, mas na cidade grande, sem um diploma, isso não era possível. Para sustentar a família, lavava roupa para fora, trabalhava como doméstica. Estudando por meio de apostilas, tentou retomar o sonho que a menina de 8 anos nutria. Mas ainda faltava o certificado do curso Normal. A chance de consegui-lo veio tempos depois, ao matricular um dos netos no Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (Iepic). “A pessoa que me atendeu disse que eu tinha letra de professora. Pois então eu falei para ela que eu era professora, mas não tinha o diploma. Contei minha história. Depois de me ouvir, ela disse que eu podia conseguir pelo Iepic. Eu voltei correndo para casa, para buscar os documentos e fazer a minha matrícula. Parecia que se demorasse um minuto a mais eu ia perder tudo”, recorda. Não perdeu. Aos 50 anos vestiu um uniforme e voltou para a sala de aula, como aluna.

Em um dos trabalhos, narrou sua vida em primeira pessoa, com direito a prosa e verso. O livrinho Uma rosa entre espinhos, com a imagem da capa encontrada pelo filho na internet, todo ilustrado com fotos pessoais, foi parar nas mãos de Angelina Accetta, professora do Iepic e também do Unilasalle-RJ. Angelina se encantou por aquela poética: “Eu pude ver na Célia, desde o Ensino Médio, a sua capacidade de resiliência por meio das palavras. Ela começa a fazer poesias e das poesias ressurgem vozes daqueles tantas vezes silenciados, como ela. Pela palavra, escrita, cantada, dançada – porque Célia também ensinava as danças típicas do Nordeste –, ela consegue dar sentido à vida. Ela é toda palavra, por meio da palavra ela chama a pensar, a sentir, a viver e também a criar”.

De lá para cá, a docente e coordenadora da Galeria de Arte La Salle não deixou de acompanhar a aluna. Foi Angelina quem plantou a semente para que Maria Célia não se contentasse com o diploma do curso Normal, progredisse cursando uma faculdade. A partir do exemplo deixado por São João Batista de La Salle, a constante preocupação com o ensino dos mais pobres, o Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro estava de portas abertas para ser a nova morada de fomento do saber na trajetória de nossa protagonista.


Em um dos trabalhos da faculdade, Maria traça paralelos entre o seu sobrenome e o do fundador da Rede.
No século XVII, La Salle foi pioneiro ao proporcionar educação aos mais necessitados na França

Iniciou o curso de Pedagogia em 2010. Encontrou desafios, o principal a dificuldade de conseguir se inserir em grupos nos primeiros trabalhos. Encontrou incentivo, por meio dos professores. De Julio D’Amato recebeu um abraço e o convite para conversar em um dia de tristeza. De Simone Garrido, o reconhecimento de linhas escritas. A poesia As duas lágrimas de Maria passou a ser exibida na parede da sala da professora. De ambos, ganhou a chance de cursar a pós-graduação em Psicopedagogia, depois que concluiu a licenciatura.

NA SALA DE CASA E NA SALA DE AULA, COMO PROFESSORA. NO HORIZONTE, UMA NOVA ALUNA E ESCRITORA

“Eu estou vivendo a minha infância hoje. Hoje, com 63 anos, estou vivendo a minha infância”. A frase é dita por Maria Célia quando ela apresenta o projeto Brincando de aprender. No espaço da sala de casa, em 3 metros quadrados, ela recebe todos os sábados, das 13h às 16h, crianças do Morro do Palácio, as coloca sentadas em roda no chão e fomenta o amor delas pela leitura. “Eu não tinha os livros quando comecei. Então, encontrava as histórias na internet e colava na folha color set colorida. Depois, fazíamos atividade de arte com sucata. Se o livro falasse de um peixe, por exemplo, nós criávamos o peixe. Um dia, conheci o artista plástico Paulo Bittencourt, ele soube o que eu fazia e me doou 100 livros. Desde então, não parei mais de ganhar”, explica. De repente, a casa de Célia, a menina que um dia pediu livros emprestados para poder ler, estava repleta de exemplares. Mas engana-se quem pensa que ela deixou de lado as obras artesanais: “Os livros que eu ganho estão na mídia o tempo inteiro, são da Peppa Pig, do Mickey. Quando eu vou contar uma história, continuo pesquisando o que vai trabalhar o social e o afetivo das crianças”.

Por conta da pandemia, as 16 crianças que fazem parte do projeto ainda não retornaram à casa da menina crescida, hoje professora. Ela espera em fevereiro retomar os encontros. Outro retorno que 2022 promete é das aulas na Unidade Municipal de Educação Infantil Gabriela Mistral, no Badu, onde ensina crianças de 3 anos. Trabalhar como professora concursada, aliás, foi outra importante conquista: “Depois do curso Normal, ainda cursando Pedagogia no Unilasalle-RJ, trabalhei na UMEI Vasconcelos Torres por três anos. Mas não pude ficar, fui dispensada no meio do semestre letivo. Quando eu vi a secretária de Educação de Niterói no Morro do Palácio perguntei se não poderia ser feito nada por mim. Ela disse que só estudando para concurso e para eu me preparar, pois já tinha 5 mil candidatos. Minha resposta foi: ‘Eu só preciso de uma vaga. As outras 4.999 serão das outras pessoas’. Estudei e consegui passar”.

Com a mesma determinação, Maria Célia aprendeu a bordar, a fazer artesanato e agora se prepara para lançar o seu primeiro livro, com auxílio do amigo Rodrigo Pedrosa. “Eu sou professora desde os 16 anos, então você imagina a infinidade de desenhos infantis que recebi ao longo desse tempo. Certo dia, peguei o desenho que minha neta Julia fez – na época ela tinha 6, 7 anos, agora está com 19. Era o desenho de uma menina com uma cabeça enorme e um corpo fininho. Fui criando a história e ela foi ilustrando. Assim nasceu A menina coração”, esclarece. A narrativa, impressa em tecido, começa assim:

Maria Célia, uma menina, nasceu bem diferente. Nasceu com inquietude, olhando para o céu, querendo voar. Ela conseguiu, mas não quer parar, nunca deixa de vislumbrar novos horizontes. Agora, por exemplo, está pensando em voltar para a faculdade, cursar Psicologia. Enquanto reflete sobre os próximos capítulos de sua história, cultiva amor. Pela educação, por meio da educação: “As crianças me adoram. Lembro de quando encontrei um aluno… Eu tinha dado aula para ele quando era criança e ele já estava com 15 anos. Falei que já não podia pegá-lo no colo. Então, ele me ergueu do chão”. Ao final desta matéria talvez você, assim como esse aluno, também queira pegar Maria Célia Rodrigues Batista no colo para agradecer.


Créditos: Reprodução da matéria veiculada no site da Unilasalle. Por Luiza Gould / Colaborou: Maria Eduarda Barros / Ascom Unilasalle-RJ


Compartilhe
Continuar Lendo
Comentários

Mais Notícias

Topo
Precisa de ajuda?